sexta-feira, 14 de agosto de 2009

MOMENTOS



Durante a nossa breve passagem por esta maravilhosa terra, apelidada de mundo pelos homens, há factos que se nos deparam que de alguma forma deixam a sua marca na nossa personalidade, no nosso carácter, enfim na nossa maneira de ser e de ver…
Um desses factos consiste na observação da morte, na verdadeira acepção da palavra, ou seja no fim inequívoco da vida, de um corpo…
Por motivos de desempenho profissional, já por algumas vezes deparei com a presença física da morte, sempre igual no seu produto final mas tão diferente em cada ocasião.
Hoje, resolvi partilhar com vocês uma dessas ocasiões em que a morte se atravessou no meu caminho e que por alguma razão se infiltrou na minha maneira de ser.
Certa noite, em ano que pouco importa e em hora em que já o silêncio habita na maior parte da cidade, tive uma chamada, sobre um potencial suicida, que se encontraria no tabuleiro da Ponte da Arrábida. Em face da situação relatada eu e o meu companheiro (de quem tanta vez depende a nossa vida) deslocamo-nos no carro patrulha para o local, imobilizando – o à entrada da referida ponte, pois já ali se avistava um vulto. Nestas situações existe sempre um cuidado acrescido na intervenção dos agentes policiais, nomeadamente no que se refere à aproximação à pessoa em causa, pois o bom senso determina que essa aproximação seja feita de forma lenta e que seja estabelecido um diálogo a uma presença considerável, de forma a não pressionar a pessoa que está numa situação precária. Assim desloquei-me para a pessoa em causa, parando a cerca de vinte metros e pude observar que se tratava de um homem, novo, com um olhar vazio, que se encontrava do lado exterior da ponte, apenas agarrado por uma das mãos ao corrimão da ponte.
A sua amarra à vida era muito curta e o seu olhar denunciava falta de chama….
Chamo-me….foi tudo quanto me foi autorizado pronunciar…, o olhar vazio atravessou – me… corri…o espreitar em direcção ao nada e a massa que antes tinha sido um corpo embateu com a força da vida, no asfalto…
Pedaços inertes, do que havia sido um corpo, jaziam agora numa extensão de cinquenta metros….Algumas pessoas que se encontravam a pescar, nas margens do rio diziam, atirou-se, atirou-se….
Pois foi ,atirou-se e só restou a palavra chamo-me…
Depois foi o costume, óbito e condução à morgue, lavagem da via pública, para que nada reste da nossa descrença na vida, havendo ainda um telefonema a fazer para confirmar a identidade do agora cadáver.
Estou…fala o agente da PSP…pretendia saber se eventualmente esta é a residência do Snrº….
Sim , Sim..é a mãe…mas ele está descansar...pretende que o chame…para falar com ele…
Já havíamos falado e nada mais poderia ser dito…



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